21 junho 2010

Necessidades que não são atendidas

Fonte - Jornal do Advogado
ano XXIX - 280
site: www.oabsp.org.br

reportagem: Suzana Lakatos

O Brasil tem 24,5 milhões de portadores de necessidades especiais e uma das melhores legislações do mundo para atendê-los. Apenas no papel. Na prática, pouco se avança para dar condições de cidadania a essa parcela da população.
Se dependesse apenas da lei, o portador de deficiência física ou mental brasileiro seria um dos mais felizes do mundo. A legislação específica sobre o assunto no país é considerada uma das melhores. O assunto aparece na Constituição, já foi regulamentado por leis específicas federais, estaduais e municipais e conta com regras precisas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) para cada situação. Fora do papel, no entanto, falta fiscalização na implementação dessas regras, que acabam ignoradas pelo próprio Poder Público. Além disso, o maior desafio é o da mudança cultural, e esta não se realiza por decreto.
Alimentados por preconceito, falta de consciência e convívio com a realidade dos chamados portadores de necessidades especiais, os fatores subjetivos acabam sendo o principal motor da exclusão social dessa grande parcela da população. Algumas entidades calculam que cerca de 70% dos deficientes são mantidos "fechados" pelas famílias.
"O arcabouço legal voltado para o deficiente é bom, mas falta-lhe aplicabilidade e eficácia. Até o momento, o melhor fruto dessas leis foi um despertar de consciência e a abertura de uma perspectiva de inclusão do deficiente como cidadão", analisa o advogado Frederico Antonio Gracia, atual presidente da Comissão de Defesa dos Interesses e Direitos dos Portadores de Deficiências Físicas da OAB-SP e procurador do município do Guarujá, litoral paulista.
Educação Inclusiva: "É inegável que a realidade brasileira está ainda muito distante do atendimento reservado às pessoas portadoras de deficiência em países como Estados Unidos, Espanha, França e Alemanha. Superar esse distanciamento é um desafio que envolve inclusive o estímulo à educação inclusiva", defende David Araújo. Para ele, o fato de crianças portadoras de necessidades especiais conviverem cotidianamente com outras, participando das suas brincadeiras e experiências, é um exercício de tolerância e também uma forma de despertar para a necessidade do outro.
Gracia, porém, acha que a questão merece um pouco mais de reflexão: "As propostas da educação inclusiva são pedagogicamente boas e ajudam a desenvolver uma sensibilidade para o problema, mas não se pode ignorar que as crianças não são hipócritas e certas brincadeiras podem gerar traumas. Muitas das decisões tomadas no meio acadêmico são distantes da realidade. Não refletem o que a sociedade quer e menos ainda o que o portador da deficiência deseja", pondera.
É preciso que os portadores de necessidades especiais se organizem, troquem experiência, cobrem o zelo pelas suas conquistas, orquestrando uma luta contra o Poder Público e quem mais desrespeitar os seus direitos".
Emprego:É inegável,trabalhar e prover as próprias necessidades faz bem para a auto-estima, facilita a integração e o convívio com outras pessoas e, importantíssimo para os portadores de necessidades especiais, diminui sua dependência da família e de outras pessoas.
A legislação brasileira (Lei 8.213/91 e Decreto 2.172/97) não apenas garante esse direito como até estabelece uma tabela de cotas a serem preenchidas, nos setores público e privado, por beneficiários reabilitados ou portadores de deficiência habilitados. Hoje, não há levantamentos confiáveis do número de beneficiados pela medida.
De acordo com o professor Luiz Alberto David Araújo, embora o Ministério Público do Trabalho se esforce por fazer cumprir a regra, é comum o empresário brasileiro não fazer as contratações por desconhecimento: "Não se trata de arranjar um empreguinho. A pessoa portadora de deficiência tem direito à inclusão social, participando ativamente, produzindo e se entrosando com o conjunto da empresa", diz ele.
Esta mesma idéia é preconizada pela Convenção 159 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), sobre Reabilitação Profissional e Emprego de Pessoas Deficientes, de junho de 1983, segundo a qual todo país-membro deve considerar que a finalidade da reabilitação profissional é permitir ao portador de necessidades especiais de qualquer natureza obter e conservar um emprego no qual possa progredir e se integrar ou reintegrar à sociedade. Ou seja, não se espera caridade, mas a geração de oportunidades.
A legislação sobre o assunto é vasta e assegura, além da cota de vagas, isonomia salarial, regime especial, direito de participação em concursos públicos etc. "Leis como essa de cotas, embora pareçam discriminatórias num primeiro momento, mostram-se imprescindíveis até a nação desenvolver a consciência de que todos, inclusive os portadores de deficiência, fazem parte dessa aldeia global. São um mal necessário", avalia o advogado Frederico Antonio Gracia, presidente da Comissão de Defesa dos Interesses e Direitos dos Portadores de Deficiências Físicas.

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